domingo, 23 de outubro de 2011

Diário de Estágio 3: Trabalhando a Cultura em sala: A dinâmica dos gostos





Já vai fazer dois meses que estou dando aula, um tempo curto infelizmente, mas rico em experiência.
No primeiro relato, publicizado aqui, falei sobre as tentativas de aplicar um ensino mais organicizado, de maneira a despertar o interesse e a participação dos alunos. Porém, infelizmente não tive muito sucesso. 
Devido ao curto período de tempo, percebi que a cada aula tentava uma estratégia diferente aliado ao conteúdo e mais uma vez não tive resultados satisfatórios. Foi então que parti para uma estratégia diferente e ao mesmo tempo arriscada. 
Faço desta postagem um relato, mas também uma possibilidade a ser reproduzida para outros professores que se interessem.
Como dito, as minhas estratégias de aula sempre estiveram aliada ao conteúdo, e mesmo que correlacionado a experiência dos alunos em sua vida fora da sala de aula, eles achavam, tudo aquilo muito chato!
Porém, sem poder deixar de lado o conteúdo curricular, passei a usar uma estratégia ao avesso, invés de usar o que eles gostam para dar o conteúdo, resolve dar o conteúdo para tratar sobre seus gostos.
De que maneira isso se deu? 
Minha turma é de 7º ano, e pela sequencia deveria dar “O Encontro entre dois Mundos”, esse assunto diz respeito às expansões marítimas, e ao primeiro contato dos europeus com as civilizações mesoamericanas.
Para iniciar o conteúdo perguntei a cada um deles sobre seus gostos. Do que vocês gostam?
A principio todos ficaram meio chocados, e perguntaram o que isso tinha haver com o conteúdo.
E mais uma vez eu perguntei: Do que vocês gostam?
A partir dai cada um começou a relatar sobre o que faziam fora da escola, até que encontrei o ponto em comum e decidi partir dele para construir um terreno propicio ao conteúdo.
Entre todos os gostos e diversões, sobressaiu-se a música. Estilos diferentes, ritmos diferentes, modos de ser e ver o mundo diferente, apenas pelo intermédio da musicalidade. 
 É possível que muitos professores partilhem desta mesma realidade, alunos com celulares ouvindo música por toda parte.
Pedi-lhes então que escrevessem num pedaço de papel cinco linhas falando sobre o seu estilo musical, e porque gostavam.
E todos começaram a escrever, entusiasmados, medindo cada palavra para além de mostrar o que gostavam, passar os motivos mais sinceros e melhores justificados.
Alunos indisciplinados, que mal ouviam a aula, participaram, e deram seu parecer de formas surpreendentes.
Ao fim das cinco linhas, pedi para que cada um destacasse aquele pedaço de papel e dessem para o seu colega mais próximo.
Fazendo isso, pedi para cada um lê o que o outro haverá descrito sobre a música preferida e a justificação do seu gosto.
Por dentro dos mais diferentes gostos – rock, reggae, rap, gospel, forró, sertanejo e funk – que eles puderam perceber através dos relatos dos colegas, perguntei num primeiro momento: O que vocês notaram com o relato de seus colegas?
E eles responderam: 
 – São muitos diferentes, cada um tem uma música que gosta diferente, e gostam por motivos diferentes.
E em seguida perguntei o que eles entendiam por diferentes, e eles responderam que diferente é aquilo que não é igual. Mas igual ao que, neste caso?
E eles disseram:
– Igual ao que EU gosto.
Depois disso, apontei para M, uma aluna da sala que gosta de Rock e se veste com os outros jovens que também curtem este estilo, e perguntei?
– Se R – outra menina na sala de gosta de gospel – lhe dissesse que seu estilo de música é ruim, e que melhor é o dela, o que você diria?
M então respondeu:
– Diria para ela ouvir o meu primeiro para depois falar.
E então repliquei, e se fosse ao contrário:
– Ouviria o dela também.
E perguntei a turma:
– Porque as pessoas têm gostos diferentes?
E todos responderam:
 – Por que são diferentes.
Mas o que faz as pessoas acharem seus gostos melhores que os do outros e trata-los como “ruins”?
– A falta de conhecimento.
Muitas vezes quando temos medo, nojo, raiva, dos gostos dos outros é porque não conhecemos aquilo, apenas colocamos nossos gostos em primeiro lugar enquanto aqueles outros apenas imaginamos coisas.
Falando isso, parti para a pergunta: Como as pessoas no sudeste veem as pessoas do nordeste?
E os alunos responderam que viam apenas como matutos, pobres, falavam errado, analfabetas, etc. 
Porque eles veem o nordeste assim, perguntei?
E eles responderam:
– por que não conhecem, apenas imaginam que somos assim sem vim para cá.
Com outro exemplo, perguntei, e vocês, conhecem os gostos dos japoneses, já foram lá, ou leram sobre?
Eles responderam que não.
Mas vocês imaginam que eles comam comida crua, certo?
–sim, eles responderam.
O que vocês acham disso?
– Nojento, disseram a maioria.
E porque vocês dizem isso?
– porque não os conhecemos direito apenas sabemos o que mostra na TV.
Depois de entendido isso, dos diferentes gostos, falei a ele que isto fazia parte de uma coisa chamada CULTURA. Expliquei a eles o que era cultura, as diferentes culturas, a cultura deles –  dos alunos – , a cultura da escola, do Brasil, como nos víamos as culturas, etc. Fazendo isso, dei inicio ao conteúdo sobre as expansões marítimas, e ao primeiro contato dos europeus com as civilizações mesoamericanas, usando a questão da cultura.
– Como foi para os europeus o primeiro contato com pessoas tão diferentes?
Depois disso, falei sobre os impérios Astecas, Maias e Incas, como eles viam o mundo através de sua religiosidade, seus ritos, seus mitos, sua cultura. 
Bom, deste momento em diante a aula fluiu bastante satisfatória, além de saber que para além do conteúdo do livro, eles aprenderam um pouco sobre respeito ao “outro”.
Não é preciso um aparato tecnológico de última geração para gerir uma boa aula, o professor ainda é o mais importante mediador neste processo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá, Obrigado por comentar no Diário do Educador.